sexta-feira, 14 de setembro de 2012

"O Livro de Itens do Paciente Estevão" sob um "Sutil" domínio

  por Lua Palasadany 
Lembro-me de ter lido A Gaivota de Tchekhov, num deleite inexplicável – e este prazer não ocorreu apenas do próprio texto, mas também do subtexto: da novidade que era encontrar as indicações de cena, onde eu rapidamente imaginava o nascimento de cada ato, entonação de voz e quando não, até aplauso. Mas isso o texto, que por sua vez chega repleto de incríveis diálogos, me proporcionava. Hoje ao ler determinado livro, pego-me num estado de questionamento - quando um livro passa de escrita em prosa e se metamorfoseia, transformando-se em cena magistral para o palco; quando um livro se transforma em literatura dramática, pedindo logo performance, encenação e, em seguida, espetáculo?
Se você ou eu não temos nem a sombra da resposta, a Sutil Companhia de Teatro tem. E dessa dúvida adveio a admiração.
Depois de "Avenida Dropsie", obra de Will Eisner, "A Morte de um Caixeiro Viajante" de Arthur Miller, "A Vida é Cheia de Som & Fúria" baseado na obra de Nick Hornby; o diretor Felipe Hirsch e o ator Guilherme Weber, parceiros desde a plantação da primeira semente da Cia em 1993, pintam juntos "O Livro de Itens do Paciente Estevão", que inspira-se no livro 'The Subject Steve', de Sam Lipsyte.
A tragédia é umedecida com humor negro e fala sobre a condição obituária do homem vivo, bem como todos os esforços para tentar esquecê-la.
A trama nos traz o judeu Estevão, um paciente em fase terminal que teve sua doença divulgada para a mídia por médicos um tanto fúnebres. Tendo então sua vida transformada numa série de especulações que o designaram como um possível portador de uma espécie de tédio, de certa forma mortal. Na sua busca pela cura, o protagonista torna a ver o fracasso de seu casamento, a vida e também a morte de seu melhor amigo, além de seu próprio experiente e concreto vazio existencial. Ele encontra uma esperança de realização bastante duvidosa no Centro de Recuperação de Almas - local fundado por um perverso terapeuta de nome Adolfo Henrique, que difunde sua doutrina baseada em processos experimentais e envolventes em tortura e falsos renascimentos.
O diretor crê que o espetáculo necessita de uma plateia em estado de devoção - e com toda razão!
Dividida em duas partes, Os Princípios e Os Domínios, a peça (com quase cinco horas de duração) traz uma série de descobertas: quando se vê diante da morte, Estevão torna-se alvo de uma corporação midiática, que transforma sua batalha em um reality show. Logo, transforma-se em celebridade, ícone das redes sociais e um sujeito totalmente manipulável. "Ele começa a ser monitorado, em um jogo que o acompanha até a morte, escolhendo inclusive a sua última refeição", diz Hirsch.


Além da cenografia de Daniela Thomas e da iluminação de Beto Bruel, Rafael Grampá (a quem admiro o trabalho já há bastante tempo) concebe visualmente os personagens.
O elenco: Guilherme Weber, Leonardo Medeiros, Danilo Grangheia, Georgette Fadel, Isabel Teixeira, Márcio Vito, Maureen Miranda e Pedro Inoue.


O Livro de Itens do Paciente Estevão

SESC Belenzinho
Rua Padre Adelino, 1000 - Vila Maria
Tel.: (11) 2076-9700
Sextas e sábados, às 18h; domingos e feriados, às 17h
Espetáculo não recomendado para menores de 18 anos
Em cartaz até 21/10/2012

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