No mesmo dia em que o Papa Bento 16 fazia sua ronda noturna pelas ruas do Líbano e se debruçava aos olhos dos fiéis, do outro lado do mundo, do muro e da crença acontecia a Dopamine, evento do qual falei há umas poucas publicações abaixo. Um ocorrido a que se pode chamar de "acontecimento que brilha e se distingue por qualidades louváveis".
Nessa edição de número #53 conforme o combinado, os organizadores trouxeram as seis bandas e suas respectivas energias.
Rainha Mono Drive foi a primeira a afinar suas cordas e dar início ao show. De nome enérgico, teve a passagem registrada por ser sua estréia como banda. Os integrantes Pha Bemol, Fred De Paula, Felipe e Flávio Beraldo, que já tocaram juntos em outros projetos, uniram-se novamente para dar vida à uma mistura de ritmos e sons, conforme pôde ser visto ao longo da admirável atuação.
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Foto Ricardo Yamada |
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Banda Rainha Mono Drive, por Ricardo Yamada |
"Colombina", tocada logo em seguida fazia com que o sujeito que a ouvisse mergulhasse no presente, à fim de que ele tivesse como horizonte apenas o hoje. O refrão era quase um mandamento: "Toma mais um dia pra sede não matar / que outra paixão ha de se eternizar".
Ficou aparente que os integrantes estavam em uma noite excepcional, impossível de esconder quando começou "Afrodite", canção de pulso forte que fez com que Pha Bemol cantasse com mais intensidade e ultrapassasse uma acanhada barreira entre a banda e a platéia que, por não conhecer as músicas, reagiu à princípio com timidez e também surpresa afinal, um rock com samba, como foi a "Faixa N° 06", é uma mistura delicada para se beber e poucos estão habituados com o sabor.
Mas o drink foi bem servido e a platéia começava a se soltar até ali, com pés que já acompanhavam o ritmo. Em seguida, Ebbios Lima, músico convidado e que tocava o teclado, deixou o posto e assumiu o backing vocal da "Cuba Libre" (ainda estou falando em drink, vejam só que compulsividade!) que dizia: "Sou cão sem dono, sem pedigree / Pra cubra libre eu peço bis", letra que soava de forma clara mas que não pareceu envolver tanto. Chegou aos ouvidos num tom mais intimista, nos devolvendo para a zona de acanhamento, onde nos vimos novamente parados à espera da próxima canção.
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Banda Rainha Mono Drive, por Ricardo Yamada |
O set do Rainha Mono Drive seguiu-se e ficar parado realmente não parecia uma boa opção, e isso foi concluído logo quando "Dança Pra Junho" começou.
Algo legal a ser ressaltado sobre essa banda e seu "admirável mundo novo", é justamente a capacidade que as composições têm de destacar os músicos. Em cada música um instrumento se sobressai e faz com que quem o esteja manipulando também nos chame a atenção. Em "Afrodite", tocada no início, o baterista - Felipe - nos atacou e sua principal arma foi o feeling que depositou em suas baquetas. Com a chegada de "Dança Pra Junho", o contrabaixo então ganhou corpo. Mas nos vimos entrando no "modo de espera" por alguma espécime de explosão. Não veio. Tivera agora banda e público trocado de papel? Não foi difícil perceber o quão retraídos o baixista Fred e também o guitarrista Flávio pareciam, em palco. Não deram portanto, o que a platéia quis no momento: a explosão que a conduziria para novas sensações.
Pois bem, hoje parece que já está tudo inventado – e, em matéria de música, é difícil fazer bom e diferente. O segredo está muitas vezes em "baralhar e distribuir de novo", uma vez que se trabalha com um material abstrato chamado linguagem, de onde o homem se serve para exprimir suas idéias e sentimentos e, graças aos Deuses, não é limitada e aceita diferentes combinações. Assim sendo, "Ampulheta", música single da Rainha Mono (já me sinto mais íntima, posso portanto chamá-la assim!), transporta o novo com uma linguagem que exerce nos sentidos uma impressão agradável. Conta uma historinha faceira e nos entrega uma melodia que reage à influências de Rolling Stones e Bob Dylan. O refrão já desfilava pelos lábios de alguns, pois a canção teve sua estréia um dia antes do show.
O fim da apresentação vem e todo o desempenho da Rainha Mono Drive nos faz ter uma certeza prévia: há música boa sendo feita, mastigada e digerida ainda assim. E as ameaças estéreis de que a boa música morreu, hoje já não passam de moda.
A festança continuou de forma promissora, enquanto aguardávamos O Grande Ogro subir em palco e trazer consigo sua psicodelia empírica. A Banda de rock instrumental e proposta desafiadora, que já tocou no Projeto Penha Rock e Espaço Cultural Walden, nos mostra que com eles, tudo o que provoca os sentidos é posto em ação em questão de música.
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Banda O Grande Ogro, por Ricardo Yamada |
Sem titubear um só segundo, a banda emenda música atrás de música numa sequência intensa. Mas foi perceptível o incômodo que a platéia sentiu quando reparou que os músicos estavam envoltos numa orbe de entrega máxima, pouco tempo depois do início de sua performance, em dados momentos, chegavam a virar totalmente as costas para a platéia. Haviam iniciado num forte ápice e foram pouquíssimos os que seguiram esse ritmo.
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Banda O Grande Ogro, por Ricardo Yamada |
O Grande Ogro traz uma proposta de exploração íntima com os instrumentos, é um falar sem usar a boca. O que na certa se torna uma faca de dois gumes e que faz com que muitas bandas que resolvem seguir esse caminho não mostre nada além de uma tentativa de tirar utilidade de algum instrumento, não assumem o domínio e mergulham na condenação à uma morte prematura. No caso de O Grande Ogro, conforme eu ouvia as músicas e assistia a interpretação em palco, eu me banhava com a certeza de que na banda há a vontade em explorar muitos outros caminhos e costurar o que já foi feito com o que ainda está por vir. Não sei dizer ao certo o que a banda sentiu enquanto recepção na Dopamine, mas sei dizer que enquanto platéia, sentimos como que várias texturas se misturavam ao som, e nos era servido num piquenique à beira de um caos. Proposta ou não, foi como me atingiu.
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O Grande Ogro - Arte de Vermelho Ruber |
A vez de Hierofante Púrpura se aproximava e pra quem conhecia o vocalista (Danilo Sevali) que se vestia de forma diferente, não procurou disfarces na hora de o seguir com olhares curiosos junto da expectativa que o show começasse logo e os surpreendessem. E talvez tenham concluído bem essa missão. A banda já possui um histórico que denota crescida experiência e vivência em grupo, e se veste com um Q de sabedoria ao segredar que já possui uma certa velhice, como entrega a música de abertura "Amor Te Quero". Soando suave, ela diz: "E quanto mais a gente brinca, mais depressa o tempo passa [...] E eu que já sou tão velho, sou velho, mas gosto de viajar por aí". Nas duas canções que se seguiram, "Não Conte A Ninguém Ou Mato Você" e "Casa", sai o doce e entra o amargo. Pousando um sentimento de espera, de pressa, de grito contido. E não somente a letra entrega isso, mas o próprio vocalista, em sua interpretação meio fera, meio humano, com um distanciamento brechtiano.
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Banda Hierofante Púrpura, por Ricardo Yamada |
As pessoas que formavam a platéia sentiam que ali em volta delas era construído um ambiente de espanto e curiosidade, e algumas já se sentiam tocadas não só pelas frases fortes das letras mas também pelos pequenos gritos que vinham de alguma parte ali de dentro do palco, de dentro do bumbo, de dentro dos músicos, ou numa fissura louca, até de dentro das luzes. Quando começou "Sujeito Sem Brio", o vocalista sentou-se ao piano (elétrico), passando o baixo para Helena Duarte, baixista de forte sensibilidade e presença. Foi aí que passou a ser mais notável o esforço da platéia para compreender o que era dito.
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Banda Hierofante Púrpura, por Ricardo Yamada |
Não sei se foi culpa do microfone, das caixas, do ambiente, não sei, não sei... e embora a voz não soasse clara, muito se conseguiu captar da emoção ali depositada. A poesia, é muito mais do que as palavras que contém. Diria que, comparada com a prosa, a poesia diz normalmente mais com menos. Claro que nem toda a poesia é assim e nem toda a prosa é assado, mas em alguns casos e músicas, há uma harmonia na poesia que, uma vez ou outra, quase nos dispensa da obrigação de ler e nos faz ouvir, ou vice e versa. Hierofante Púrpura pois, é uma banda de poesia suja.
E para quem quiser dar uma conferida no povo e no som do Hierofante Púrpura, é só programar para estar presente no dia 28, no Hocus Pocus em São José dos Campos, no "Festival Vale o Quanto Pesa".1. A banda já tocou duas vezes no festival Fogo no Cerrado - Festival de Cultura Independente, em Campo Grande - MS; Tocaram no Cedo & Sentado no Studio SP; no festival Outubro Independente no Centro Cultural São Paulo; Fizeram uma tour com a banda americana Ketman e agora se preparam para um show no Festival Maionese em Maceió - AL. | 2. Já gravaram três EP´s: "Asucar Çugar 2006", "Adubado 2009" e "Crise De Creize 2010" e um disco de nome "Transe Só", em 2011.
Na noite que se seguiu, eu assumi o seguinte pensamento: não é fácil encontrar um som que agrade a toda a gente. Claro que há clássicos que são ouvidos por muitas gerações com o mesmo entusiasmo, mas em cada geração há músicas que saem, fazem o seu caminho e depois se esquecem de repente. E o The Concept parece ter descoberto a fórmula de se propagar, enquanto banda. Com surgimento que data de 1993, e já tendo uma discografia enobrecida (Wonderful Nightmare - Single 2001| My Lost Generation - EP 2002 | Don´t Shine - Single - 2003 | Truth Telegram - Single - 2004 | Operation End - Single - 2005 | The Today Are Passing By - Single 2006 | The Very Best of Junkie Years - 2010 | 4 Times in Action (live) - 2011 | Reconstruction - 2011), a aparição da banda na Dopamine, como já era esperada, fora repleta de louvor entusiástico.
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Platéia durante a apresentação da banda The Concept, por Ricardo Yamada |
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Platéia durante a apresentação da banda The Concept, por Ricardo Yamada |
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Banda The Concept, por Ricardo Yamada |
Alguns dos integrantes do The Concept mostram que respiram e aspiram música não importa onde vão. Robson Gomes vocalista da banda, lançou alguns singles em função de seu projeto de carreira solo intitulado Robsongs.
Vagner Sousa (baixista do The Concept) lançou nesse domingo (16), no Espaço Cultural Walden seu mais novo single com o projeto paralelo NoctVillains, onde Roxy Perrotta, ex-vocalista da banda pós punk X-Devotion também faz parte.
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Banda Set The Settings, por Ricardo Yamada |
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Banda Set The Settings, por Ricardo Yamada |
Bem, como tive que puxar meu carro antes que desse meia-noite e eu virasse abóbora, pedi para que o organizador da farra Dimitry Uziel, assistisse com um olhar mais crítico os Elevadores, última banda a se apresentar. Assim ele o fez . Segue-se sua impressão: "Os Elevadores foram “quase” dignos da headline. Tinham seu público cativo e, talvez, o mais animado da noite; Pularam, dançaram, bateram cabeça e cantaram em alto e bom som as novas e “antigas” canções da banda. Porém, não agradaram a gregos e troianos. O som pop/rock/indie/samba dos Elevadores mudou consideravelmente comparando as primeiras músicas gravadas e seu mais recente trabalho. Aqueles que até nutriam certa simpatia pela banda pelo trabalho anterior, ficaram no lounge durante sua apresentação no 1º Dopamine Festival.
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Banda Elevadores, por Ricardo Yamada |
Mas isso não afetou o desempenho dos rapazes. O som tinha potência, o ânimo e vontade de fazer valer o fechamento do festival era visível em seu público. Algo muito bacana e inesperado, no meio do show, foi o cover de Money, da banda Nova-iorquina The Drums. Embora, parecia que muitos não conheciam a canção, talvez nem conhecessem a banda, mas agitaram de qualquer forma. Aqueles que sabiam do que se tratava aquele cover, vibraram. Não foi perfeito, já que a música pede por duas vozes; o back vocal de Henrique Almeida já estava para lá de grave, pois já havia gastado parte de sua energia na apresentação com o The Concept. Mas o instrumental não deixou a desejar. Provavelmente tenha sido a segunda entre as seis bandas que mais arrancou aplausos no festival. Os meninos foram pontuais. Sabiam do seu tempo e fizeram sua apresentação dentro do horário designado. No fim das contas, de 1 à 10, minha nota para o Elevadores foi 9."
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Banda Elevadores, por Ricardo Yamada |
Bem, não posso falar do que não vi mas posso opinar sobre o que ouvi. Recentemente escutei Festas de Dezembro, e achei fantástica! Com uma voz limpa e desenvolta que significa desembaraço, inquietação, personalidade. Descubro enfim que algumas das influências da banda são The Hellacopters, The Strokes, Phoenix, The Kings Of Leon, The Smiths, Legião Urbana, Ride, Primal Scream... e mesmo com pouco tempo de estrada a banda já se apresentou em algumas conhecidas casas - Inferno Club, Outs, Funhouse, Estação Music, Sativa Bordô. E tocaram também no Balaio Café em Brasília-DF. Preparam-se agora para lançar seu primeiro disco com 12 faixas inéditas. Já o primeiro EP da banda trouxe ótimos resultados chegando a alcançar as melhores posições no ranking Tramavirtual.
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Foto Ricardo Yamada |
Assim que terminou o festival, Dimitry Uziel fez alguns minutos na DJ set, logo depois entrou o Serginho (convidado), depois o Beto Coelho (convidado) que tocou pela primeira vez na Dopamine e fez a pista ferver com alguns shoegazers e post punk e depois Robson Gomes abriu sua seleta paleta de sons, fechando novamente com Dimitry. A festa que era para durar 12 horas, acabou durando 13!
E o público estimado da festa fora de 200 pessoas. Enquanto o Papa Bento 16 ungia seu público com sua fé inabalável lá nos confins de outro país, posso dizer que vários homens mudaram suas religiões, nesse dia 15 de setembro, após terem assistido ao magnificente espetáculo que a Dopamine Fest proporcionou. Fazendo com que o indivíduo de religião comum, que supunha uma identidade fixa e uma liberdade total, rezasse impacientemente pela vinda de mais uma dose de Dopamine 80mg, para também se converter.
(Um dia minhas metáforas me enobrecerão com um lugarzinho no inferno de Dante. tenho dito!).
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