por Lua Palasadany
"Se penso nos filmes que rodei com Giulietta, posso dizer que a construção de minha personagem é baseada inteiramente nas suas possibilidades de atriz. [...] Em suma, eu gostaria de dizer isso: que jamais cometo (e talvez esteja aí o único sistema que se pode identificar no meu método de trabalho) o erro – pois isso me parece um erro – de adaptar o ator ao personagem, mas faço sempre o contrário, o que significa que me esforço para adaptar o personagem ao ator. [...] É sempre difícil remontar justo à fonte da inspiração, mas eu poderia contar a esse propósito como nasceu o fim de Noites de Cabíria. Ele não nasceu apenas como fim, mas também como a ideia geradora de todo o filme. Quando um certo jornal de esquerda me acusou de ter uma atitude evasiva perante a realidade, de nunca sugerir nas minhas histórias uma solução, um ponto de vista preciso, esforcei-me em agir com humildade sem levar em conta a irritação que senti ao ler coisas que realmente não esperava, e disse a mim mesmo: efetivamente, Zavattini e de Sica sugerem a inscrição a um partido, assim como sugerem alguma coisa a seus personagens, dão-lhes uma direção, e isso porque eles têm uma certa fé que eu não tenho, ao menos não num sentido preciso. É por isso que, ao fim de seus filmes, suas histórias e seus personagens satisfazem mais que os meus. Então eu me disse: talvez esses senhores tenham razão. A meus personagens, não termino por dizer ao fim do filme: “Vocês compreenderam direitinho, é preciso comprar tal jornal, ou também é preciso se casar, ou também ir à igreja...”. Não termino por lhes dizer nada.
No fundo, essa é uma atitude muito inumana da parte de um autor perante seus personagens. Portanto, investindo toda minha boa vontade (como se eu tivesse enfim resolvido dizer a meu personagem: “Você compreendeu bem, você fará isso ou aquilo”), me perguntei: “O que vou lhe dizer?”. E depois de pensar sobre isso durante muito tempo, percebi que não saberei o que lhe sugerir, porque não sei o que dizer a mim mesmo. Assim sendo, aos meus personagens, que são sempre tão infelizes, a única coisa que poderei oferecer será minha solidariedade: e assim poderei, por exemplo, dizer a um deles: “Escuta, não posso te explicar o que não sei, mas, em todo caso, te amo o suficiente e te ofereço uma serenata”. [...] No que concerne minha colaboração com Giulietta, posso dizer que Giulietta não é somente a intérprete de meus filmes, mas que ela é também a sua inspiradora; não entendo por isso que a ajuda que ela me traz seja semelhante àquela de Pinelli, de Flaiani, de Rondi, quero dizer inspiradora num sentido bem mais profundo, à maneira de uma musa. Isso equivale a dizer que a vida com Giulietta – o que penso disso, a ideia que faço dela, do que pode ser sua humanidade, do que pode ser seu sentido na minha vida – me inspirou A Estrada da Vida e Noites de Cabiria."
Federico Fellini
(Publicado em Cahiers du Cinéma nº 84, Junho/1958)
GIULIETTA MASINA!
Que esse nome não lhes saía correndo da cabeça ao término da leitura, amém!
Ela, (A Giulietta) uma vez casada com Federico Fellini, estabelece uma forte parceria artística e afetiva, intensificando o cenário artístico italiano. Juntos tornaram reais histórias que marcaram definitivamente os feitos do cinema, como La Strada (1954), Julieta dos Espíritos (1965), Ginger e Fred (1985), Noites de Cabíria (1957), entre outros. Fellini faleceu no dia seguinte à comemoração dos seus 50 anos de casamento e Giulietta 5 meses após a morte do marido. Comprovando assim, o laço singular de ambos.
Noites de Cabíria (Do original Le Notti Di Cabiria), é uma sumptuosa obra de genioso encanto.
A musa de Federico, interpreta Cabíria - a prostituta mais encantadora e "chapliniana" que já vi! Ela, (a Cabíria) traz uma pureza atraente, uma latente teimosia. Uma procura pelo amor que não é o cio. Fellini dá abrigo a uma silenciosa crueldade, e das mais adocicadas, quando resolve trazer à superfície um Deus mercador e faz com que ela, (a Cabíria) se entristeça pelos pedidos que não foram atendidos pela Virgem Maria: - “Ninguém mudou, nada mudou, nossos pedidos não foram atendidos”, ao passo que sua amiga responde mais ou menos assim: - “ E você acreditou que mudaria?”.
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(Notti di Cabiria, Le, 1957) - Direção: Federico Fellini |
Quem também merece uma acalorada citação é o compositor italiano Nino Rota, responsável pela trilha de Noites de Cabíria, (e o inesquecível O Poderoso Chefão - o que lhe rendeu até um Oscar). De suas mãos saltam uma composição que, se o longa não tivesse diálogos, cada nota na certa dispensaria a precisão de qualquer palavra. Como talvez já o faça: não é preciso palavras para quando ela (A Cabíria), percebe que o mundo que habita é sempre dos outros e nunca dela.
Bob Fosse fez a honra de adaptar Cabíria para um show da Broadway e depois para o filme "Charity, Meu Amor" (Sweet Charity).
Caetano Veloso inspirou-se tanto (assim como nós), que compôs Giulietta Masina. Gravada pela primeira vez no disco Caetano, de 1987. O cantor também homenageou a atriz e o cineasta com o CD Omaggio a Federico e Giulietta, que fora gravado ao vivo em 1999.
Está ai mais um motivo para não se esquecer do nome de Giulietta Masina!
Caetano Veloso inspirou-se tanto (assim como nós), que compôs Giulietta Masina. Gravada pela primeira vez no disco Caetano, de 1987. O cantor também homenageou a atriz e o cineasta com o CD Omaggio a Federico e Giulietta, que fora gravado ao vivo em 1999.
Está ai mais um motivo para não se esquecer do nome de Giulietta Masina!
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